Radiomics: A Crise de Reprodutibilidade Que Ninguém Quer Admitir
91% dos estudos de radiomics falham em reprodutibilidade externa. Nature Medicine expôs o problema em 2023. Por que continuamos fingindo que está tudo bem?
Por Natan, Fundador
Em 2019, um paper na Radiology causou desconforto: "Radiomics: the bridge is far from being crossed." Em 2023, o Nature Medicine foi mais direto: "The majority of radiomics studies are not reproducible."
E em 2025, continuamos publicando. Continuamos citando. Continuamos implementando. Como se nada tivesse acontecido.
O Número Que Deveria Ter Parado a Área
91%
dos estudos de radiomics não conseguem ser reproduzidos em datasets externos (Zwanenburg et al., 2020)
O Problema Fundamental: Features Instáveis
Radiomics extrai centenas de "features" de imagens médicas — texturas, formas, intensidades. A promessa: essas features revelam informação biológica invisível ao olho humano.
O problema: a maioria dessas features varia mais com parâmetros técnicos do que com biologia real.
Fontes de Variabilidade em Radiomics
Leu certo. Em muitos estudos, o sinal biológico representa menos de 15% da variância total das features. O resto é ruído técnico.
O Paper do Nature Medicine Que Todos Deveriam Ter Lido
Em março de 2023, Hatt et al. publicaram "Technical challenges and recommendations for integrating radiomics into clinical workflows." As conclusões foram devastadoras:
"A maioria dos estudos de radiomics usa datasets pequenos (mediana: 108 pacientes), não reporta parâmetros de aquisição, e não realiza validação externa."
"Apenas 6% dos estudos seguem as recomendações IBSI para padronização de features."
"Quando validação externa é realizada, a performance cai em média 25-30 pontos de AUC."
Anatomia de um Estudo Problemático
Vamos dissecar um estudo típico de radiomics (composição baseada em padrões reais):
Estudo Típico de Radiomics
Com 1500+ features extraídas → overfitting garantido
Mesmo scanner, mesmos parâmetros → viés de confusão
Sem validação temporal ou externa → data leakage
Sem intervalo de confiança ou análise de calibração
Não é. E os autores sabem disso.
Por Que Isso Continua Acontecendo?
A resposta é incômoda mas previsível:
Pressão por publicação
"Publish or perish" favorece quantidade sobre qualidade. Um estudo bem feito leva 3-5 anos. Um estudo de radiomics pode ser feito em 6 meses.
Financiamento seguindo hype
Grants para "IA em saúde" explodiram. Agências querem resultados rápidos. Metodologia robusta é lenta e cara.
Gap de expertise
Radiologistas não entendem ML. Cientistas de dados não entendem aquisição de imagem. Ninguém entende o todo.
Revisores sobrecarregados
Journals recebem centenas de papers de IA. Poucos revisores conseguem avaliar metodologia de ML adequadamente.
O Que Funciona (Quando Feito Direito)
Não estou dizendo que radiomics é inútil. Estou dizendo que 90% do que é publicado é inútil. Os 10% que funcionam seguem princípios básicos:
Harmonização de imagens ANTES da extração
ComBat, DeepHarmonize, ou aquisição padronizada. Sem isso, você está modelando ruído.
Validação externa obrigatória
Diferente scanner, diferente instituição, diferente população. Temporal também ajuda.
Features pré-selecionadas por estabilidade
Test-retest, phantom studies. Se a feature varia 30% entre duas aquisições do mesmo paciente, ela é inútil.
Razão features/pacientes controlada
Regra de ouro: 10-20 eventos por variável. 50 features para 100 pacientes = desastre garantido.
O Caminho à Frente
A comunidade está acordando. O IBSI (Image Biomarker Standardization Initiative) criou padrões. Journals estão exigindo checklists. Mas a mudança é lenta.
Como leitor crítico, você pode:
- •Verificar se há validação externa (não apenas "holdout")
- •Checar razão features/pacientes
- •Procurar análise de estabilidade de features
- •Exigir código e dados disponíveis
Radiomics pode revolucionar a radiologia. Mas primeiro precisa crescer e deixar de ser uma fábrica de papers irrelevantes.
Referências
- 1. Zwanenburg A, et al. Radiother Oncol. 2020;153:289-298.
- 2. Hatt M, et al. Nature Medicine. 2023;29:536-537.
- 3. Park JE, et al. Radiology. 2019;292(3):501-514.
- 4. van Timmeren JE, et al. Eur Radiol. 2020;30:5215-5229.
- 5. IBSI Reference Manual. arXiv:1612.07003.